aveiro | portugal |
houve um dia em que pensei que partia,
queria ir para um céu onde existissem maçãs.
um céu onde houvesse alguém que me desse
um abraço lento e nesse abraço habitasse
a bondade, sem as circunstâncias da brevidade.
estava cansado, muito cansado, de ser apontado,
agarrado à matéria das ideias que ninguém via.
houve um dia em que pensei que partia,
sabia que ficando, ou não, eu me iria perder.
odiei, e queria, apenas não beber o fel;
não queria ser o centro do cheiro e do som.
a minha intimidade não era ser o primeiro,
nem ser o sino a rebate, a má sina ou a esquina.
queria respirar a preguiça dos afectos, no mar.
houve um dia em que pensei que partia,
sonhava com uma terra não prometida,
sem promessas, sem o azedume das pupilas,
sem o rancor da ponta do dedo indicador.
sem a demagogia, apenas com o gosto da magia,
o brilho certeiro de uns olhos a darem o primeiro
bom dia do dia. e não pensava sequer que ia.
houve um dia em que pensei que partia,
sobravam-me as asas e faltava-me a paz.
fechava os olhos e voava sobre a epiderme
das fantasias, sobre os dias, para além do voo.
e a pensar, ou sem pensar, cheguei aqui,
sabendo que realmente nunca se parte:
vamo-nos quebrando até ao desconhecimento.
ainda quero esse braço (e um céu de maçãs);
ficar no beijo lento da evidência, na retina,
frente-a-frente, e guardar tudo isso na derme
e na parte não perecível de quem eu sou.
ser, sem promessas, fora e dentro da janela.
e ter, sem política, na ficção plena da afeição,
conhecedor da partida, mas sem hora definida.
[o significado do silêncio]
Há lá coisa melhor do que um céu de maçãs onde nos quedamos num beijo?
ResponderEliminarBelíssimo poema e não menos bela foto, Henrique!
Beijinhos. :)