sexta-feira, 29 de março de 2013

Quero ser aquele que não pode voltar atrás





Na pequena particularidade de existir,
Tenho um mundo e uma lua
E são livres todos os incluídos.
Nos incluídos, sou um vitorioso e bem-sucedido ninguém,
E sou livre de partir, dividir e querer:

Quero ser aquele que não pode voltar atrás,
Ainda que por um momento,
E recordar a exuberante ausência de som,
Sem sentir o fervilhar interior
E ímpetos de revoltas latentes
Dos ensejos de entranhas exteriores.
Para isso deixei cair o estético belo
E as caminhadas do «tudo igual»;
Assim como, a usura do tempo finito,
E a coerência da conclusão,
Que continua aqui, a servir.

Sirvo a enfermidade dos abraços,
Abraço o mundo e a lua
E todos somos incluídos se formos livres.
Os outros incluem mínguas de pluralidade,
Que orbitam ciclos de «enquanto…», «durante…» e «até que…»

Limpo afluentes espontâneos de um arbítrio paralelo,
Que nada de mim pretende e a mim não se prende.
As sementes das minhas palavras são nuvens
E com essas minhas nuvens construí um barco.
Com o meu barco cruzo os céus inesperados
E nos meus céus constato que mal existo.
Por isso, semeio e planto esperanças no ar e no mar:
Observa-as, sente-as, respira-as;
Que te leguem alento.
Pelo menos agora, existe um pouco mais de mim;
Ao menos, agora, que não há mais nada,
Podemos compor um novo fim.



quarta-feira, 27 de março de 2013

na margem ou entre as linhas





por vezes gosto de sentir o vento norte
ignorar a díade de reciclagem de sentenças
rumar num perder de vista e de avenças
sair da explicação do significado da sorte
e ir com qualquer predicativo oferecido
na qualidade positiva de um perdido
com um sorriso plasmado em recorte

acutilar a calma com um punhado de drama
terminação de braços pendidos sem cio
e abismo envolvente que não nasceu vazio
um pouco de corpo chama
ninguém vê ou acredita
numa demanda que crepita
e instinto que proclama

fica o meio na expectativa da espera
a questão refreada numa dor redundante
o elemento assertivo circundante
de uma luz coada pela primavera
num ramo de alfazema
e será para sempre este o dilema
o peculiar ou o filosófico que prospera


Titónia:





Recolho o poema suspenso
Que eu queria ler nos teus olhos,
Adquiriu escolhos,
Perdeu o senso.

Composto por mais do que palavras, que adenso,
Temperaturas, cores, sons… Folhos;
Coisas invisíveis e indizíveis, em molhos!
Nunca obterá o fulgor propenso.

Brilho flexível de uma para sempre aurora,
Noite fora,
Elemento discordante de uma maré.

Ouve o que agora se demora
No rolar de uma lágrima, de pé,
Envolta na brisa de um narguilé.


sexta-feira, 22 de março de 2013

Do outro lado das mimosas




Fronteiras e horizontes, entre tenças,
Um mundo de magias, milagres e crenças.
Confins onde vivi em novo,
Por entre ínfimos de chão variável
E absolutos de céu equável.
Por ali permanece a matéria e o povo,
O solo arável,
O ar respirável,
Os matos medonhos,
Os ribeiros cercados por medronhos;
Os que para cá dos sonhos ficaram,
Os que dos sonhos regressaram,
Os que sempre serão sonhos;
As sombras e os brilhos,
Os caminhos, carrais, carreiros e trilhos;
Rostos queimados, franzidos e risonhos;
Os inúmeros sabores,
Os imensos odores,
Os intensos das cores,
A simples fome e sede;
Os sons definidos e os difusos,
Lagares, prensas e fusos,
Próximo do mar, longe da rede.
Para trás a glória das pontes
E a pureza das fontes,
Destruídas por eucaliptais
E testemunhos de modernidades;
Os sinos dos toques de ave-marias e trindades,
E, até na morte, a presença dos seus sinais;
As lágrimas, as negríssimas vestes e as saudades,
Os incontáveis saberes e rituais,
Os quebrantos e os enguiços,
As bruxas, as rezas e os feitiços;
As novidades que não voltam mais,
A ambição e desejos,
Os cumprimentos, para quem passa.
Já não há pinga na cabaça,
Nem o adeus dos realejos.
Sobrevive uma justiça com cintilações de luxúria
E faces convergentes em associações assustadas,
A aura cálida no reverso das missas entoadas,
Enquanto se projecta um murmúrio de penúria,
Por preencher o meu absurdo de lamúria.


quarta-feira, 20 de março de 2013

E hoje… (XLVI)


  
     …Déjà-vu e apanágios. O dia termina diáfano e em parte incerta  Perco-me, ainda não me identifiquei com a realidade que se renova a cada dia; com as perdas que não são substituídas. As pessoas vêem-nos maioritariamente de fora e cada um de nós vê-se predominantemente de dentro, para dentro.

     Tento saber quem sou ou o que serei, para os outros e para mim. Procuro encontrar explicações e razões para esta forma. Questiono-me sobre a impressão, a interpretação do que representa a minha voz, a minha figura, os meus gestos, os meus pensamentos, os meus escritos e aparência, todos os meus reflexos, estáticos ou em movimento. Examino a minha consciência, o meu conhecimento e discernimento.

     O dia termina diáfano e em parte incerta. Inserta.


Arlequim





terça-feira, 19 de março de 2013

expande o dia




as ruas estão sós e choram de pé
com as sombras que dançam
com a alma numa chávena sem fé

dormem ao largo as ondas vivas
embaladas pela minha sombra solta
que vibra em esquecidas liras redivivas

as penumbras dançam ao meu lado
tento o alento de simplificar a meia-luz
vagas na minha simples ruína e enfado

quero devolver as fases e a lua
e aplanar as imensas espirais de deriva
juntamente com a proposição crua

tudo principia num simples tropeço
do acessível silêncio em mim
e daquilo que inatingível eu pareço


Só para dizer [XXXII]:

  
     Ainda resta alguma coisa, quando isolamos o pouco que já não fruímos do nada e é isso que resta: nada!


segunda-feira, 18 de março de 2013

Sopro




Em composição




Pesa-me a tua terra
E a minha determinação encerra.
O leito onde estendo o pensamento é o próprio ribeiro
De sentidos e sentimentos irregulares,
Onde o pesar é o inerente paradeiro,
A forma cabal de existir na emoção gasta,
Pontos de alheamento, de perda e ausência de olhares.
Lamentar e chorar não basta.

Sou humano e algo em mim se esqueceu de morrer.
Movo a farpa a frio, fria,
Que pretendo remover,
No ardor, sob o tecido quente,
Entre a sensação de dor e a apatia;
Entre a escuridão e a rua sem gente.
Pesa-me a carência
E a viagem que te exila da existência.


terça-feira, 12 de março de 2013

onde o deixámos




revejo-te em ruas que nunca cruzamos
em esquecimentos construídos
em esquecimentos naturais
e o esquecimento adquire partes do que fui
adquire partes do que sou
adquire partes do que serei
e dito assim
o esquecimento adquire partes de mim
que nunca te encontraram
outras que nunca perdemos
outras que nunca sonhamos
e o esquecimento alimenta-se da forma
do modo e tempo
e da conjugação 
onde deixámos o verbo amar 



Breviário [XXXII]


     Iludir resulta no adiamento do encontro com a verdade.


segunda-feira, 11 de março de 2013

do céu à terra




o meu céu tem nuvens de poesia
e poemas em nuvens que disperso
azuis e cores quentes em verso
e quando chove é uma heresia
que derrama um universo
reúnem-se os poemas da noite com os do dia
os do ar com os da terra
e toda a inspiração se descerra
e toda a realidade é fantasia



Aos desejos ocupados





Estrondosos movimentos estimados
Percorrem, em juízos contíguos,
Os equívocos que abandonam ambíguos,
Simultaneamente consumados,
Cumulativamente clamados.

Noto uma nota de absinto,
Um pranto esconso e adverso
De um amor disperso,
Por fim, num fim extinto.
E no reverso,
Pontas soltas do universo,
Que resolvo,
E envolvo e devolvo.

Provêm da apatia aprumada,
Um breve vento fleumático, do início,
Acompanhado de zelos de precipício.
E, eu, um âmago de existência insubordinada,
Munido de morfemas
E cinza de poemas,
Trilho uma linha abandonada
Em convenções de frugalidade
E desprendimento de naturalidade,
Muito antes da alvorada.



sexta-feira, 8 de março de 2013

Movimento igualdade e amizade


Pintura de Henrique Matos - Movimento, 2004
Pintura: Henrique Matos - Movimento

Pintura Henrique Matos - Amizade, 2007
Pintura: Henrique Matos - Amizade


juntei os nossos pedaços
e os idos abraços
na arca das memórias e anseios
e percorri as ruas de receios
diáfano e inconvulso
tomei o pulso
embora observado
obstinado
e espalhei os nossos nomes de possibilidade
doce felicidade
hábil calma
em espirais com alma
sem data
e em poses de acrobata
sem prazo
apenas o acaso
tu e eu
intervalo perene que se entendeu
eu e tu
e a amizade a cru
ténue fronteira imune
num termo que nos afortune
a urbe está contente
a laguna de nada se ressente
e o meu sorriso imortal
saiu da marginal
liberto os nossos absolutos
e resolutos
na fortuna das estimas
e regresso pelas avenidas de pantomimas
claro e avulso
de novo tomei pulso
embora apontado
mas determinado
distribuí a nossa igualdade
podes encontrá-la por toda a cidade
livre de decreto ou obrigação
imposto ou dedução
apenas por pura verdade
e porque essa é a naturalidade



quarta-feira, 6 de março de 2013

incluso



por um instante
sacudo a alma
e em abraços de afecto
uno o frio livre
aos sonhos povoados
sigo o calor de dentro
aguardo
paciente
enganos que saem
juntamente com os extintos
sonorosos
que me acompanham

distintos
do outro lado intrínseco
o farol orienta destinados leais
e a chaminé projecta anseios
na antiga salmoura
e sociabilizam
portadores de fé
não é fácil
nada o é
paro à entrada
perfeita e abundante frequência
saúdam-me cercos inclusos
afago a tarde das portas e janelas abertas
oásis compreensíveis
que fluem espontaneamente
e abraço-me nos braços do amanhã
onde entro
transponho as utopias de fora
o presente fecha a porta


terça-feira, 5 de março de 2013

saudações




deixo-vos a Lua
e um início de bruma,
fico com a inexistência
do meu regresso da rua.
assisto um frio que se avoluma
e que se aquece na dormência
e na frase nua
do vento que se apruma,
carregado da mais acérrima ausência.

ainda que a sombra se embarace,
não me detenho no pretenso recato
do tapete da idade.
não há margem que não me abrace
e apenso a sucessão do respirar pacato
à fatia de liberdade.
dessalgo a face,
tiro a pedra do sapato
e engulo a saudade.