quinta-feira, 9 de março de 2017

Algumas coisas em pequenas partes, sem paisagem


Esta coisa de rebobinar, de iniciar como quem volta a trás, 
pode gastar-se ou partir, tudo coisas de acabar ou a termo; 
coisas que, em verdade, não existem, ou são só coisas. 

Hoje, quando me vi ao espelho para decidir se aparava esta 
coisa que é a barba, encontrei uma coisa assim como um traço 
contínuo, no lugar dos lábios, e disse-me: sorri, coisinha! 
E a coisa compôs-se, mas a barba lá continuou, coisa e tal. 

Há quem procure coisas em mim, uma qualquer coisa 
para desperdiçar, uma qualquer coisa que não tenho. 
Eu não tenho coisas, as coisas não são minhas, embora 
estejam por aqui, em mim, e eu próprio seja uma coisa. 

Entre coisa e coisa, as coisas também nos dão alegria, 
ou a ilusão de o ser ou de a ter, quando não nos coisam. 

Aquela mulher não é louca. E aquele homem, também 
não! Continuam a sonhar, como eu. Somos sempre os 
mesmos a sonhar. Eu procuro coisas nas palavras, ela 
procura coisas pelo chão e ele procura coisas no ar. 
Acredita, eu, em alguns dias, muitos dias, para além 
de procurar coisas nas palavras, procuro coisas no chão, 
no ar e em todos estes loucos que não o são. 


 [massivo]



1 comentário:

  1. Mas porque será que as coisas mais importantes da vida... raramente são coisas?...
    E no entanto, a gente vive procurando por coisas...
    Coisas... que dão que pensar... tal como o teu poema... como sempre, de uma construção brilhante!
    Beijinhos, Henrique!
    Ana

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