terça-feira, 16 de setembro de 2014

argau 19





vi as quatro horas e quarente e sete minutos
numa outra noite que se arrastava pelo quarto
e no mostrador do rádio relógio em números
normalmente silenciosos que gritavam porque
eu não dormia e não os deixava dormir enquanto
abraçava fantasias que me faziam sorrir e não
tinha mais carneirinhos prudentes para contar
vi que tu também andavas por ali muito ausente
com o fumo que como antes inalavas dramaticamente
antecedias o ritual que nunca te consegui quebrar
com a precisão cirúrgica na manipulação da chama
do isqueiro que sublimava e sublinhava a matéria
da tua ânsia de entrar num mundo onde nunca entrei
tu eras dois personagens e tinhas os teus fumos
eu era apenas eu uma multidão que tinha a poesia
que curiosamente também ardeu e pouco mais
depois tínhamos a cama que podia ser um qualquer
chão onde agora és uma memória e eu abraço ilusões




2 comentários:

  1. Este poema diz tantas tantas coisas em tão poucas palavras. São tantos os sentimentos e os mundos que quase se tocam.
    Os números do relógio que gritavam porque não os deixavas dormir, os esgotados carneirinhos prudentes para contar, ele/a como duas/dois e os seus fumos, tu a multidão e a poesia. A poesia que também ardeu. Imagens poderosas e reais que muitos de nós já sentimos, não importa a época nem o local.
    Um dos poemas mais belos que já li.

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  2. a foto está como sempre muito bela.

    o poema fala de muita coisa e fala da insónia e das noites em que as memórias se sobrepõem ao sono e não nos deixam dormir.

    é um poema belo embora deixe transparecer um certo desalento.

    um beijo

    :)

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