Por ali, os gatos
gostam de se enroscar por entre as silhuetas
floridas de
moliceiros e de figuras geométricas, que desconhecem.
Ficam alerta, nessa
protecção imaginária, numa realidade suportável,
a aguardar por uma qualquer
eventualidade fora do seu alcance,
ou da acidental
visita de um belo exemplar de ave, que se adeqúe
à sua necessidade
ancestral e instintiva de saciar a fome quimérica.
Ali (ou em qualquer
outro lugar), há uma eternidade, despudoradamente,
muitos dos homens,
velhos da minha idade, sentados ou de pé,
enroscados nos
casacos inquietos de inverno, de caso pensado,
lançam os seus
olhares ávidos e aflitivos sobre as mulheres, como
se estas fossem
presas, meras mercadorias, ou, propositadamente,
aves, adequadas ao cortejo
do apetite sexual, o seu único e possível.
Observo, com pudor,
com uma escuridão nocturna no olhar. Temo lançar
um brilho indiscreto,
ainda que simbólico, antes de ser, ou ter, outra alma:
um pássaro; entre
as cicatrizes da minha visão ou dos seus sobressaltos
fugazes. Enrosco-me
no poema, presa de mim mesmo. O meu retrato
é uma linha na
minha mão e guardo-a naquilo que é, vagamente, um bolso
ou a ilusão de o
ser, mas, ainda assim, um local à disposição e repetível.
[massivo]
Um poema que não precisa de legendas, de facto... pois a sua leitura leva-nos directamente para o seu âmago... quase o conseguimos visualizar... e não apenas verbalizar...
ResponderEliminarMais um belo pedaço de escrita, Henrique! E sempre com muita alma, transposta nela...
Beijinhos
Ana
Uma "triade"/trindade interessante. A aproximação gradual ao núcleo, o eu, e o seu resultado natural, entre analogias e similaridades.
ResponderEliminarBjks