quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Outro dia mau


Se estou rodeado por pessoas, porque me sinto só?
Olho em volta e vejo o movimento, o vai e o vem
De gentes indiferentes. Outros olham-me também.
Outros trabalham, são meus companheiros e sem dó,
Virados para dentro e para o que mostram por fora,
Sem temores pelos que pisam e deixam para trás.
Imagens de consumição, de gente que me apavora.

Escondo-me no meu canto como trabalhador indolente.
Hoje não sorrio, não quero nem espero pelo fim-de-semana,
Nem o aroma a perfume caro me alenta, nem me engana.
Hoje sou um bicho eriçado que foge de tudo o que é gente.
Sou aquele amorfo sentado que luta para não estar atrasado,
Sem mais vontades do que esquecer, esquecer e esquecer.
Esquecer mesmo muito, esquecer até ficar cansado.

Mas, que faço eu aqui perdido? Merecem-me este tormento,
Esses que de mim zombam pelas costas e covardemente?
Como sinto a falta de um amigo para falar abertamente.
Como sinto a falta da amizade, de um genuíno contentamento,
De um sábia palavra, dita sem habilidades e sem convenção.
Serão os momentos de adversidade que nos revelam os amigos
E eu não os encontro, nem com os olhos, nem com o coração.

A escrita apazigua-me, absorve-me, leva-me para longe.
Não me envaidece. É tão humilde e tão descomprometida.
Serve-me de confidente. Amansa e sujeita-me a alma perdida.
A leitura aclara-me a razão, esgota e renova o pobre monge,
Eremita, embrutecido pelos tombos e deambulo da existência
Que sinto tão longa e tão curta, mas tão cheia e tão despojada.
Há muito que já abalou e ainda aqui habita, a crédula inocência.

Pelintra sim, mas não quero pertencer a escória sem sentido,
Uma massa sem opinião, indiferente, onde tudo é igual e nulo.
Onde um é muito vivo, sabido e outro é muito aproveitado e ‘chulo’.
Quero ser um Ser até ao fim, mesmo sozinho, mesmo perdido.
Não procuro a glória, mas o contentamento e o deleite de existir.
Não renuncio, contudo, à aspiração de merecer o amor e a amizade,
Sem esquecer de onde venho, onde estou e para onde posso ir.

Vou olhar em volta, uma vez mais, para me desenganar e redimir.
Já me sinto outro, com mais coragem, com optimismo e refeito,
Pronto para respirar, até e ainda, este ar fétido e rarefeito.
Pronto para as venturas e desventuras de viver, de existir.
Quero acreditar que ainda há bondade, algures, não muito distante.
É essa a inocência de que falava, que me povoa e doma.
Este não passa de outro dia mau, mas é o agora, o mais importante.

12 de Janeiro de 2007

5 comentários:

  1. Este texto de 2007 fez sentido hoje, novamente?

    Se te permitires olhar com o coração encontrarás amigos que estão, que ficam sem julgamentos, com amizade. Se permitires também que te vejam a alma, que te conheçam o interior.

    Olha mais uma vez em teu redor, sim. Algures existe alguem. Existe.

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  2. Então, é do optimismo que tens de ir à procura :)

    Anima-te... dá-me um sorriso vá, eu fico aqui à espera que sorrias :)

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  3. No tempo de Tugazzar.
    Um poema muito denso e com uma linguagem que nos aproxima de ti. Vejo a humildade que ainda te caracteriza (pelo que leio). Adorei!
    Um beijo.

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