Se estou rodeado por pessoas, porque me sinto só?
Olho em volta e vejo o movimento, o vai e o vem
De gentes indiferentes. Outros olham-me também.
Outros trabalham, são meus companheiros e sem dó,
Virados para dentro e para o que mostram por fora,
Sem temores pelos que pisam e deixam para trás.
Imagens de consumição, de gente que me apavora.
Escondo-me no meu canto como trabalhador indolente.
Hoje não sorrio, não quero nem espero pelo fim-de-semana,
Nem o aroma a perfume caro me alenta, nem me engana.
Hoje sou um bicho eriçado que foge de tudo o que é gente.
Sou aquele amorfo sentado que luta para não estar atrasado,
Sem mais vontades do que esquecer, esquecer e esquecer.
Esquecer mesmo muito, esquecer até ficar cansado.
Mas, que faço eu aqui perdido? Merecem-me este tormento,
Esses que de mim zombam pelas costas e covardemente?
Como sinto a falta de um amigo para falar abertamente.
Como sinto a falta da amizade, de um genuíno contentamento,
De um sábia palavra, dita sem habilidades e sem convenção.
Serão os momentos de adversidade que nos revelam os amigos
E eu não os encontro, nem com os olhos, nem com o coração.
A escrita apazigua-me, absorve-me, leva-me para longe.
Não me envaidece. É tão humilde e tão descomprometida.
Serve-me de confidente. Amansa e sujeita-me a alma perdida.
A leitura aclara-me a razão, esgota e renova o pobre monge,
Eremita, embrutecido pelos tombos e deambulo da existência
Que sinto tão longa e tão curta, mas tão cheia e tão
despojada.
Há muito que já abalou e ainda aqui habita, a crédula inocência.
Pelintra sim, mas não quero pertencer a escória sem sentido,
Uma massa sem opinião, indiferente, onde tudo é igual e
nulo.
Onde um é muito vivo, sabido e outro é muito aproveitado e ‘chulo’.
Quero ser um Ser até ao fim, mesmo sozinho, mesmo perdido.
Não procuro a glória, mas o contentamento e o deleite de
existir.
Não renuncio, contudo, à aspiração de merecer o amor e a
amizade,
Sem esquecer de onde venho, onde estou e para onde posso ir.
Vou olhar em volta, uma vez mais, para me desenganar e redimir.
Já me sinto outro, com mais coragem, com optimismo e refeito,
Pronto para respirar, até e ainda, este ar fétido e
rarefeito.
Pronto para as venturas e desventuras de viver, de existir.
Quero acreditar que ainda há bondade, algures, não muito
distante.
É essa a inocência de que falava, que me povoa e doma.
Este não passa de outro dia mau, mas é o agora, o mais
importante.
12 de Janeiro de 2007