terça-feira, 31 de julho de 2012

Dístico


Fundo-me no horizonte
Tanto de mim faz parte deste mar
Enquanto

Aí o afago nunca deixou de chorar
Num laço de suspensão
E calo na rede
Aceito a âncora
Não contrario a corrente
Seguidamente

Alguém se mistura nas minhas imagens
E se torna semelhança
Quebra eternamente em alusão
Que não existe
Sem que

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Noite


A escuridão abrevia o espaço
Resume a presença
Amplia o desconhecido
Expande o inexplicado
Deixa as estrelas como reticências
Cruzadas e desordenadas
Ou um negro absorvente
Promovido por nuvens
Que aparentam perseguir iguais

Abrandar pisado
Acordado sonho
Sonho aquecido
O respirar pesado
Noite de ouvido
Raramente negado

Amortece o mar
Com o som das vagas
Vagamente encapeladas
Talvez um pouco esquecidas
Num hábito rotinado
E com o odor que exala
Distintamente indiviso
Rigorosamente húmido
Que se unem à melancolia

Se for a tua vontade
Vem desprender-te ao meu lado
Sem rendição e com entrega
E mergulha a minha saudade
Num desejo incontrolado
De quem gera e consagra em sanidade


domingo, 29 de julho de 2012

Tarde


A tarde rasa
Numa rasa
Com tamanho
Sem medida
Com equívoco
Sem engano
Sem dono e simples
No curso de uma vaga ideia
De provação em riste

Posição que trespassa a existência
E um suceder de horas

Guita de mar ao largo

Sempre o mar
Sempre a reviver-se
Sempre a esquecer-se

Um
Sargaço de reunião
Que as ondas projectaram contra as rochas
Numa fusão efémera

Anéis em ângulo reto
Uma recriminação rasa
Num pensamento obtuso
O horizonte está sempre mais à frente
O presente fica sempre mais para trás

U
Que seja arcaico
Que seja desuso
De chorar a ermo
Prevalece incógnita
A natureza

É tarde
Para quando
Pára quando
A tarde cair sobre os ombros
Com o peso dos termos
E surge o limite



sábado, 28 de julho de 2012

Manhã


O mar desenrugado
Meu oceano
Sem mais desculpa
Senhor e redutor
No tempo em que a onda flirta

Neste intemporal lugar
Ponto entre o ser e o devir
Fio entre o chegar e o partir
Limbo de encontro e desencontro
Que dentro do areal se instalou
Numa ebulição permanente

Numa mão a areia
Noutra a água

No corpo a neblina
E os primeiros raios de Sol

Na cabeça pára o artigo definido
A contracção da preposição
O pronome demonstrativo
E o reparo fundeado
Nos pés

Afago poderá se uma bofetada

Que importa o que pensam
Se nunca te admitiram e conheceram
Se nunca te perceberam e aceitaram
Se sempre discordaram e julgaram

O horizonte
A imensidão
O oceano
O Sol
A neblina
Um nada
Em anuência
Que nunca se soltou
Não produz qualquer som
Apenas ouve
E marulha-se
O mar
A manhã

Escorre a água
Cai a areia
Toca o relógio
No altifalante da torre
E a manhã


sexta-feira, 27 de julho de 2012

No friso de diligência

A progenitora viu a senhora
Que a carregou
E que transporta aquele argumento
De fascínios botados e embotados,
Em fascículos de meias-luzes,
E quis apresentar um fosso de fé
Em verdades devolutas.

Não há razão para fechar a graça
A algumas unidades da entrada
No brilho nascente da onda,
Essa letal autenticidade,
Que desconhece o logro da sua vida,
Na vaga de impulsos contidos de entusiasmo
Gravado da base à crista,
Retira o provavelmente,
Que rebentará na areia
De coisa alguma,
E continua a sorrir, repetidamente,
Antes de expirar o período
Do seu mundo,
Enquanto os seus olhos fitam
O olhar do horizonte
A observar a perspectiva.

No somatório da febre do arco-íris
Que suportas,
E no choro,
E no jogo,
E no jorro da cores,
Se hoje sobra a lua,
Que não é de ninguém,
Fita a tua penumbra, a tua imagem
E abraça e aperta o mundo e o teu mundo.



Nem tudo é tão negro... Também há o amarelo e o azul

  
restauro
cais dos Botirões, Julho 2012 - Aveiro




Ao abandono


aurorar
Casa degradada/abandonada - Julho de 2012 - Aveiro



Só para dizer [XXV]:


     Podemos aprender a viver e a amar, como podemos aprender a ser vividos e amados. E existem, também, e ainda, as férias...


quinta-feira, 26 de julho de 2012

Impressão digital


O tremor desapareceu
E o mando cedeu.
Não se estima o prazo;
Não se calcula o azo;
Não se mensura o desconsolo;
Não importa o dolo.
Veio o murmúrio e o rumor,
Veio o frio e o calor
Mas a marca aguentou,
Única, até ao fim, ficou,
Ali, como um inequívoco sinal,
Como uma impressão digital.


Estar com a pedra nas flores


Cucu, estou aqui



quarta-feira, 25 de julho de 2012

Sem sugestão


Deixa que cesse a inspiração
Deixa que me apague no oceano e no vento
E que se abandone o ponto
E o ponto do ponto
No ponto de fuga
Do ponto de partida
Do ponto brilhante
Deixa que se extinga a luz
E a luz da própria luz
Deixa que me recorde
E recorde que me recordo
De ti longe
Longe da tua silhueta
Longe do longe
E ainda mais longe
Depois de tão longe estar
Não encontro os trilhos
Muito menos os trilhos dos trilhos
E os outros caminhos dos caminhos
Caminhos distantes
Caminhos paralelos
Idênticos caminhos
Próximos caminhos
Caminhos com avisos
Avisos reportam para as linhas
E para as linhas das linhas
Das tuas linhas e traços
Traços que se tocam no esboço
Que adivinho de olhos fechados
Numa memória activa
E activa e activa
Traços que desejam abraços
E beijos
Mais abraços
Muitos mais abraços
Ainda beijos
Novamente beijos
Antes de beijos
Depois novos abraços
E desejos
Com desejos de desejos
Desejos maduros
Desejos patetas
E desejos simples
Desejos sós
Que não se extinguiram
Que nunca se extinguiram
E guiam a imaginação
Numa estrada com muitas faixas
E de dois sentidos
Com sentidos que despertam
Consentidos e que sentidos reprimem
E ocultam
Deixa que termine a referência
Deixa que me dissipe em ti
E me difunda numa sintonia sem retorno
Retorno ao rumo que não rumo
Rumo ao nada
De nada
Nada feito
Nada mais nada menos
Nada de novo
E nada não digas
Por tudo e por nada
Um nada
E por nada nada
Nada no meu rio
E rio de satisfação
Nada no meu mar
Mar por termos pintado
E sem termos salgado
Por termos de outros tempos
Tempos que falam de nós
E dos nós que se soltaram
Soltaram e saltaram afeiçoados
E afeiçoados partem
Partem sem partir memórias
Partem que partem o esquecimento
Partem e partem a distância
Partem e repartem o intervalo
Repartem que partem o hiato
Hiato do abraço
O abraço do abraço
O abraço no abraço
Abraço o beijo
E beijo o abraço
Beijo o beijo
E beijo e abraço
Abraço e beijo
Mesmo que
Mesmo assim
Coisa nenhuma
De modo nenhum



Monumento ao marnoto e à salineira












Breviário [XXVII]


      Há um lugar dentro de ti que nunca te pertence.




terça-feira, 24 de julho de 2012

E hoje… (XXXV)

     …Uma inerente imperturbabilidade franca de tecnologia. O binário puro.


     A gárgula que ficou sem água; a estrada retalhada, desmantelada, cortada, fechada, que me atrasou e me fez perdido; a resignação, que não se esquece; saciedade, é urgente partir.


Corpo de conceitos


Onde estão esses anjos
De que falam a fio
Não estão no ar ou no fundo do rio
Não tocam arpas ou banjos
Não constroem nem produzem arranjos
Deixa passar o arrepio
Deixa desgrenhar o desafio

Indagas e reflectes
Sondas e Pensas
As sombras que adensas
Na luz que descomprometes

Na febre do arco-da-aliança
Vais para mais perto
Manténs-te desperto
E não se alcança
Projecta a dança
E contemplarás por certo
O teu deserto

Num corpo de conceitos
Procuras e procuras
Discernimentos e loucuras
Por sentidos insatisfeitos
Lanças injúrias e defeitos
Corres na urbe as ruas inseguras
Agarrado a linhas escuras


segunda-feira, 23 de julho de 2012

E hoje… (XXXIV)



     … O paradigma estava ali, como um adágio, com uma pequena sombra, e o amor, como um bálsamo.


Concerto sem dó


Ainda vive
E, no mesmo dia,
Vem para o mesmo exílio,
No firmamento que se funde
E onde se resguardam os medos,
Que de velhos e distante se observam
Tão novos e próximos de uma nova época de estio.

De uma oportunidade indeterminável e célere,
Resistente, resiliente, de natureza pertinaz,
A última força de espontaneidade fixa,
No peito que declara sem acordo,
Ameaça desejar sem rédea,
Ambiciona alcançar,
Ainda existe.

Expor um suspiro que geme;
Evidenciar um abraço que une;
Despir um beijo que pretende,
Num sono que não dorme.


domingo, 22 de julho de 2012

Muitíssimo


Como esquecer o holocausto e o muro,
As chacinas e os extermínios?
O mundo não é plano, nem parte de um plano
Onde todos conspiram contra ti.
Mas, há quem te conte uma outra história da mesma.
Cada manhã teimosa regressa com borrões;
Cada manhã teimosa regressa em versões;
Cada manhã teimosa regressa por variações,
Como ondas do mar.
E num sem-fim, sem-termo e sem termos,
Como esquecer as guerras e a violência
Das punhadas,
Das balas,
Das bombas…
E das palavras?

sábado, 21 de julho de 2012

Ambiente


Da janela vem um foco de luz,
Sem embargo,
Que deixa antever uma suspensão de pó,
Sem destino.
Os meus olhos procuram seguir o bailado,
Sem dançar,
E o pensamento permanece absorto e distante.
Sem cabimento,
A minha corrente, esticada, prende-me,
Sem alternativa.
As horas sucedem-se e eu com elas,
Sem julgar,
Num acto contínuo, que continuo,
Sem saber.
Fico obrigado a permanecer neste abrigo,
Sem ti.

Da janela vem um foco de luz,
Que deixa antever uma suspensão de pó,
Os meus olhos procuram seguir o bailado,
E o pensamento permanece absorto e distante.
A minha corrente, esticada, prende-me,
As horas sucedem-se e eu com elas,
Num acto contínuo, que continuo,
Fico obrigado a permanecer neste abrigo,

Sem embargo,
Sem destino.
Sem dançar,
Sem cabimento,
Sem alternativa.
Sem julgar,
Sem saber.
Sem ti.


sexta-feira, 20 de julho de 2012

O subúrbio da vontade


Hoje acordei com vontade de ladrar
Não me atormenta o arbítrio
Não me preocupa a interpretação
Não há insensatez e imprudência
Há um despertar de firmeza

Ouço o dobrar a finados
De uns sinos gastos e desafinados
Um automóvel que buzina
E quero uivar e ser serrazina

Hoje acordei com vontade de ladrar
E de saltar a tapada
De perseguir aquele gato anafado
Que se exibe com indolência
E que mia fantasias

O latido está à espreita
Numa naturalidade que se enjeita
Por força de um demorado bocejo
Que extingue o longo ensejo

Hoje acordei com vontade de ladrar
E de rosnar
Não me intimida a dor
Não me importa o comentário
Só não ladro para não acordar os vizinhos


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Deixa-me escrever nessa margem estreita


Deixa-me escrever nessa margem estreita
ou
Rotação

Gaivota,
Aceito a tua anedota.
Deixa-me escrever nessa margem estreita,
Numa determinação insuspeita,
Sem obscenidade ou jura,
Só por sanidade e dilecção pura.
Sobram-me as palavras que consentem,
Apesar das discordâncias;
Sobram-me as palavras que não mentem,
Apesar das deformações e instâncias.
Associemos as nossas ideias e penas,
Conciliemos circunstâncias de lenas.

Deixa-me escrever nessa margem estreita,
Como quem se estreita
Nesse pedaço de perspectiva,
Antes que lhe falte o espaço;
Antes que perca a iniciativa;
Antes que me vença o cansaço.
Vai subir a maré
E vamos ficar sem pé.
Estamos na margem do mar,
À margem de um algar;
Na margem do papel,
À margem de um corcel;
Na margem da estrada,
À margem de nada;
Na margem da lembrança,
À margem da segurança.

Deixa-me escrever nessa margem estreita,
Esqueçamos a interdição e o guarda que espreita.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Na areia


Na areia escrevo,
Onde beija o mar,
De amor os versos.
Do amor eu vejo relevo
E do ar a respirar,
Por afectos submersos,
Numa esperança vaga
Que se alcança mal ao olhar
E se perde e afaga.

Na areia escrevo,
Onde ninguém poderá interpretar;
Onde havia areia e ainda há, debaixo do mar.


Antiga lota de Aveiro





Fachada - 1


A fachada
Fachada



terça-feira, 17 de julho de 2012

O amor


Um corpo enérgico e dolente;
A centelha que se apaga e cresce;
A aflição que se conforma;
Bem-estar sem estar consciente;
A tensão que sobe e desce;
A esperança que se transforma;
A solidão que uma multidão preenche;
O salvamento sem redenção;
A cura que é doença;
A ausência que é presença;
A serenidade que é confusão.

Uma felicidade ansiosa;
Uma amargura desejada;
Um golpe que magoa e deleita;
Uma solicitude preguiçosa;
Uma inibição emancipada;
Uma vontade contrafeita;
Um cativeiro voluntário;
Uma pena sem sofrimento;
Uma dor sem sentimento;
Um querer sempre contrário.

Um dinâmico torpor…
Isto, provavelmente, não é o amor.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Silêncio


Da nascente jorram 
Jorram gotas transparentes 
Transparentes palavras prometidas 
Prometidas palavras novas 
Novas palavras noivam 
Noivam e entre nós se instalam 
Instalam e por intervalos circulam 
Circulam e por nós passam 
Passam e lavam o silêncio 
Silêncio que ninguém ouve 
Ouve para além de ti 

As gotas unem-se 
Unem-se e formam um fio de água 
Água de qualquer uma 
Uma que a todos pertence 
Pertence e sem propriedade e fim 
Fim que se aquece e não esquece 
Esquece as palavras que regressaram 
Regressaram os afectos dedicados 
Dedicados e tácitos sem tumultos 
Tumultos que crescem sem afronta 
Afronta as opções com todo o amor 

Agora que quebrei palavras 
Palavras com que quebrei a fala 
Fala para dizer como e embora 
Embora ame estou só 


domingo, 15 de julho de 2012

Intenção


A aragem fria
O odor da ria
A noite que me desperta
Sem amarra e guita
Sem demora ou hora certa
Sem tumulto que grita
Viro costa à crítica furtiva e mordaz
À vontade que não se compraz
À falsa desculpa que se aglomera
À incerteza de uma espera

O perfume do alecrim
As danças do capim
Sem inclusões impostas
Sem postiças diferenças
Sem devires e apostas
Sem incertas crenças
Sem fruir e extenuado
Passado, não adoro o passado
Perfilo e prossigo ciente
Vivo o presente do tempo presente


sábado, 14 de julho de 2012

Dia de ilusão


Dia de ilusão
ou
No centro de nada



A distribuição ténue.
Carrego a lua
No centro da rua,
Essa lua gasta
Que de tanto se agasta.

Rua sem sentido,
Em lágrimas lavada
E, por lágrimas, pisada.
Lágrimas vertidas
Por gentes sentidas.

O esquecimento delgado,
Delegado que foi o bem-querer,
Relevado para um passado de ser.
Passado que foi à fonte
A caminho do derradeiro monte.

Por trás desse monte se esconde o Sol,
Confiado que foi ao seu destino,
Encoberto por uma nuvem sem tino.
De conjugar o verbo amar, nuvem cansada,
Sem tempo, entoação que ficou no centro da estrada.

Nessa estrada onde o amor se encontra,
Nesse lugar no centro de nada,
Nesse nada que se malfada,
Nesse malfadar que se dispersa,
Nesse dispersar que se conversa.

As mãos, que realmente tocam,
Onde só elas sabem tocar, sem restrição,
São as mãos de um dia de ilusão.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Em lugar nenhum, a última vez


Em algum lugar está unido
Sobre o pó sobra a água
Sobre a chama sobra o gelo
Um ruído ensurdecedor munido
Proveniente de onde içam a frágua
Onde estão reunidos sem selo

Os beijos rolam omitidos
Numa encosta silenciada
Apartada e desconhecida
Com declives cingidos
E vegetação vendada
Com data-limite vencida

Não há ar suficiente para albergar o enredo
Há fôlego para outro beijo
E aquele conhecedor medo

Sobre a cama sobra a promessa
Sobre os corpos sobra o descanso
E neles satisfação impressa


Ria, moliceiro e monumento ao marnoto e à salineira



Ria, moliceiro, monumento ao marnoto e à salineira


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Chega suave, suavemente


Chega suave, suavemente,
Numa malícia tingida de inocente
Toca a ferida que se expõe com brio
Num plano e corpo incandescente,
Torrente que extravasa o rio.

Chega suave, suavemente,
Tão doce e naturalmente;
Tão enérgica e decidida;
Tão voluptuosa e persistente;
Tão amena e cheia de vida.

Chega suave, suavemente,
Tão suave e mente.
Trás a paixão e o fogo
Num nu desejo ardente
E para despir um jogo.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Anjo


A quimera corre da mão dada com o desengano
Na areia da costa
Sob um horizonte profundo e mundano
Que aguarda resposta

Dizem que fiquei só
Gosto de ficar a olhar o oceano
Aqui onde termina a dó
E principia o profano

A tecnologia que os aproximou
Separa-os, por fim
Numa alegoria que nunca se desenhou

O anjo estava ocupado com outros dilemas
No assomo da fé
Enquanto as emoções ganharam diademas
E marcas de remate em rodapé

Dizem que fiquei só
Gosto de encontrar-me aqui
Até quando o ar aparenta filó
Mesmo quando estou sem ti

O impulso extrai a ordem
A rede que ficou para trás
E o ar espera que o acordem

Quem é o anjo que desfila
E com quem a quimera corre agora
As legendas soltam-se e saltam em fila
Na generosidade que dilata a demora

Dizem que fiquei só
Gosto de estar neste lugar ermo
Onde só eu cumpro a promessa de pó
De um anseio enfermo
Embora desponte um transparente nó
Descubro-me por cá
Ainda quando dizem que fiquei só


terça-feira, 10 de julho de 2012

Círculo


A areia que me fustiga
A gaivota que me investiga
O caranguejo que me observa
O mar como horizonte e banda sonora
O pôr-do-sol que se demora
O céu que se avizinha e reserva
O peixe que se abriga
A sereia que se foi embora

Desfilam os pensamentos
Numa coreografia de movimentos lentos
Vivo em reflexos e lembranças
As nuvens transportam o presságio
O parecer que ficou sem sufrágio
No éter e nas mudanças
Os traços de sentimentos
Orlas de tempestade por apanágio

O vento que me impele
A doce reminiscência da tua pele
As carícias que nunca me deste
O entendimento que está a leste
As embarcações que me ignoram
As águas que aqui não moram

Uma expressão hirta num olhar estático
Um desejo demasiado pragmático
Um gesto indeciso
O sorriso
Fecho os olhos
Ouço as ondas nos escolhos


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Apertado


Olá
Já não sou eu
É a imagem da sombra que vaga
Por cá
Que vai, que roda, que se perdeu
Sobra e se apaga
Sobre a porção do que foi

Nunca me vi como equivalente
Porque não ris
Onde ficou afinal presente
O que nenhum de nós quis
O consórcio dos dós
Num jardim de sós
E uma vitrina esquecida

Olá
Já sou só eu
E um abraço apertado


domingo, 8 de julho de 2012

Adeus


Inclinado sobre heras
Não há tempo
Os salgueiros vergam
Com um sorriso
Sobre a junça
Como quem diz bom dia
Com cordialidade
Nasce a aurora
Digo adeus a todos
É o meu fim
Que não consegui ver
No nascer de um outro sol


sábado, 7 de julho de 2012

Saudade


Quero
Muito
Pretendo
Deveras
Pudesse
Eu agora
Expulsar de mim este pesar
Sem
Demora
Peço em
Vão
Conseguisse eu
Extrair este amor que vive em mim
E leve
Leve leve
Leve
Verbo leve
Leve adjectivo
Leve o peso
Peso leve
E de peso liberto
Leve voasse
Se voasse eu
Lograsse eu voar leve
Ai soubesse eu voar
Ainda assim
Para junto de ti eu voava


sexta-feira, 6 de julho de 2012

Linhas


Hoje avancei no dia,
Sem fantasia,
Sem a menor oposição,
Sem exaltação.
Dia que fugiu de mim, sem sombra,
Sombra que ficou para trás.
Sinto o seu frio  
E um leito vazio.

Hoje avancei no dia,
Num local de infância,
Onde os risos eram de alegria,
Onde ainda sinto a fragrância,
De um dia sem treva,
Treva que se difunde,
E senti o abrigo derramado,
Líquido e inopinado.

Hoje avancei no dia,
O que se passa,
Onde passas.
Nunca dependeu do fim
Da praça,
Nem das traças;
Nem tão pouco do querubim.

Hoje avancei no dia,
A ribeira despertou um corpo inato,
Testemunho de trato.
A erva já foi mais verde e luzidia,
O brilho já foi mais brilhante
E o protesto... O protesto, que protesta, é protestante
E não tem qualquer significado ou serventia.

Hoje avancei no dia.
Se para avançar recuo,
Te amo, digo, e se apaga;
Não o sendo, é uma utopia;
Não o fazendo, é um amuo.
O mar acorda e eu sou vaga;
E vago pela praia,
Na areia de todos. Cobaia.

Hoje avancei no dia,
Sem força para procurar o arco-íris no horizonte;
Sem palavra que conte.
A nascente, a ribeira, o rio, a ria,
Adormeceram com o que mais importa,
Sou parte dessa natureza morta.


quinta-feira, 5 de julho de 2012

Imagem de fundo


Empubesce uma força que barre degredos
A encontrar as divisões amorosas
Ingressa
Os teus medos
Noutras tantas prosas
Interessa
E da rua as flores
Senhores
Sem pressa
Na rua os rumores
Encadeados
No «certo»
E no «tudo bem»
Na rua as pedras e as perdas de desencontrados
Por um «muito perto»
E um «muito baixo» que não convém

Onde está a mão que não mente
Dolente
E os dedos que já não sentem
Nos intervalos que fingem
Que alguém está contente
Por burgaus que tentem
Outros que atingem

Onde estão os olhos que não iludem
Encantam
Hipnose de memórias que me cantam
E aludem
Este é o marco
E tudo o que mais abarco
Este é o início sem selo
Não consegui vê-lo

Quando falha o «todo» e o «resto»
Eu sem nada e nada
E tudo existe para além de mim
Vence o descrente manifesto
O erro na morada
E o amor que não termina no fim

Foram que não foram anjos sem guarda
E não estavas
Fica um indistinto frio
Enquanto vejo o céu na mansarda
Fecham-se portas sem aldravas
No cabo quebrado de um rio
Imagem de fundo
Do fundo do mundo
O meu mundo que ao fundo vai
E do fundo vem
Já sem ninguém
Porque é a existência que cai

Perdi
Simples
O determinado pacato
Eu não vi
O recato
E sim
Entre nós
Os nós que se prendem a nós assim
Sem nós
Nós
E sempre nós de nós logo
Vogo