quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Periférico


Agora, a periferia. Os salgueiros, que emolduram e zurzem 
o Vouga, guardam as suas próprias formas entre as raízes 
do ar. Por vezes, falam de salgueiros mais distantes 
e carpidores, salgueiros que os próprios salgueiros evitam. 
Encaram as paisagens húmidas com sorrisos e desconfiam 
imensamente de quase tudo o que se relacione com a cidade. 
Sabem que, à noite, as coisas se agigantam, carregadas 
de tons escuros, enquanto a linha do horizonte tende 
a turvar até à sua inexistência ao simples olhar nocturno. 
Por vezes, desperta em mim uma onda de imensa saudade 
e procuro o rumor dos salgueirais. Embora só, aqui nunca 
estou sozinho. Aqui as almas são descomplicadas e, apesar 
da minha reconversão à cidade, do meu rosto adormecido 
de cidade, absorvem-me, que é a sua forma de partilhar 
e comunicar. Em momentos de um bom acaso, as águas 
imitam toda esta paz e alentam os seus jacintos, que não 
dormem. 


 [massivo]



1 comentário:

  1. As cidades têm esse dom por vezes... mesmo no meio de tanta gente... fazem-nos sentir à margem...
    Trazendo-nos à memória outras margens, às quais sentimos que pertencemos verdadeiramente...
    Pelo menos, foi assim que interpretei esta tua periferia...
    Beijinhos
    Ana

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