|
aveiro | portugal |
fotografias adiadas. pessoas apressadas.
fevereiro a precipitar-se longamente sobre aveiro.
o pior é o vento que nos entranha a humidade,
mesmo nos lugares esquecidos e inacessíveis;
que nos procura as energias e a resistência;
que nos remete para lugares de abrigo e reflexão.
venho procurar a solidão entre os outros,
palavras escorregadias, nos meus olhos cansados,
apontam para pormenores esquivos.
a solidão assemelha-se em qualquer lugar.
[palavras relacionadas]
escrevi este poema na tarde chuvosa de sábado, 6 de
fevereiro de 2016, numa pastelaria em aveiro, entre sorvos de um galão bem
quente e o mordiscar de um croissant normal prensado.
na realidade, o poema começou a desenhar-se mentalmente, na
rua, entre pingos de chuva, que se intensificaram e me obrigaram a desistir de
um planeado percurso fotográfico e a procurar o refúgio em entradas de prédios,
beirais mais salientes, em cafés e, finalmente, numa das várias pastelarias, esta
um pouco mais periférica, da zona do rossio de aveiro.
tinha pressentido a chuva e a sua premência. havia ligeiros
indícios, e uma réstia de esperança, de que poderia ter, com felicidade, algum
tempo para tirar algumas fotografias com a câmara fotográfica, como fuga e
redenção à obtenção esporádica, monocórdica e insatisfatória da utilização do
telemóvel para esse fim, durante o corre-corre do dia-a-dia.
à pressa, arranquei algumas folhas, quatro, de um
caderno, antes de sair de casa. confesso que o gesto de arrancar folhas de um
caderno me provoca algum desconforto. mas, a iminência da chuva e a
inexistência de um bloco pequeno o suficiente para ser albergado num bolso do
casaco, ou das calças, ou, ainda, num dos bolsos do saco da câmara fotográfica,
precipitou o acto, a contragosto e, de alguma forma, forçoso. a quantidade foi
extraída aleatoriamente, como se aquele fosse o volume exacto e imprescindível
para satisfazer uma qualquer necessidade verborreica, que pudesse surgir num,
quando muito, par de horas. nas minhas deambulações, surge, quase sempre, a
necessidade de tomar algum apontamento, que pode ser um nome, uma
circunstância, ou uma futilidade, coisas para as quais a memória pode não ser
precisa no momento de o ser.
foi no primeiro café que as primeiras palavras tingiram a
primeira linha da primeira página da primeira dessas quatro folhas, a única folha
do pequeno poema. mas ainda estava muito desperto e activo no acto de
contemplação do ambiente circundante, que incluía os espaços, os seus personagens,
e na degustação de um café razoavelmente bom, sem açúcar. depois, o excesso de
movimento no local, e a carência de lugares sentados, compeliram-me para a
evasão, num acto de benevolência e de algum apreço para com os indivíduos igualmente
desafortunados. afinal, eu sabia-me capaz de encontrar um espaço onde poderia
passar algum tempo de ócio, e com menos constrangimentos.
as paragens seguintes serviram, apenas, para alimentar as
minhas deambulações mentais e filosóficas, tomar algumas notas e lamentar a
imprudência de ter deixado o guarda-chuva em casa, o razoável estorvo que se teria
transformado num imenso conforto. chegava, assim, entretanto, à pastelaria onde
escrevi o poema. era francamente menos povoada. as ruas pedonais que lhe dão
acesso e a constância e circunstância da chuva, que caia com afinco,
afastavam-na dos grupos de turistas. naturalmente, ainda observei o ambiente: o
espaço e as pessoas. pouco depois, estavam ocupadas, apenas, duas mesas. a mesa
onde me encontrava e a mesa de um grupo de senhoras, três, alguns largos anos
mais à frente, creio que não tanto por terem chegado primeiro ao local. apressei-me
a depositar palavras na folha para não invadir o grupo, para não escutar
desproporcionalmente as conversas. por essa altura terei intensificado ainda
mais a curiosidade que tinha despertado à chegada. não consigo precisar o tempo
que por ali estive e com que outros gestos, durante a escrita e o lanche, mas,
próximo do último trago, da última dentada e das últimas palavras, fui servido
das palavras que apropriei ao título: «até amanhã, se deus quiser!» aí, sim,
começou o dia. e não, eu não sei porque mistérios, mas já possuía essa certeza
de antemão, não quis deus que nos tivéssemos encontrado no dia seguinte.